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divulgação científica

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Meio ambiente e saúde: o que a pandemia de Covid19 pode nos ensinar?

No texto anterior, relembramos o cenário de caos, desespero e dor que tomou conta do mundo durante a pandemia de covid19. Porém, nem tudo está perdido.

 

Caso vocês não se lembrem, houve uma “corrida” para desenvolver vacinas e testar medicamentos para minimizar os problemas e controlar o avanço do vírus. Infelizmente, nada é tão simples como parece! Naquele momento, com a crise já instalada, foi compreensível que tenha sido enfatizada a busca de formas de prevenir o contágio, de tratamentos e/ou de uma vacina. Mas, é preciso ficar claro que, na verdade, desenvolver vacinas e medicamentos é um dos últimos passos, a ponta do iceberg, porque demanda recursos e tempo que podem não estar disponíveis para todos os lugares. E, até lá, há perdas humanas e econômicas irreparáveis! Também é bom lembrar que, geralmente, soluções apressadas nem sempre são as melhores! A melhor estratégia ainda é apostar na prevenção para evitar a emergência de novas ameaças e os inconvenientes e perdas causados por zoonoses. Para que isso ocorra de modo eficaz, é necessário minimizar os impactos ambientais, evitar o contato com animais silvestres e investir em pesquisa sobre os organismos envolvidos nos ciclos de zoonoses (incluindo o homem), monitorando-os buscando a correta identificação – taxonomia e sistemática – de micróbios e hospedeiros, a sua ecologia (habitat, comportamento, reprodução etc.), bioquímica e genética.

 

Esse tipo de ação caracteriza o que chamamos de vigilância epidemiológica. Essa é uma tarefa para equipes multidisciplinares que incluem não apenas os profissionais das Ciências da Saúde (biólogos, biomédicos, enfermeiros, farmacêuticos, médicos, veterinários, etc), mas também áreas como Biologia da Conservação, Biologia Molecular, Bioquímica, Ecologia, Engenharia, Evolução, Física, Genética, Matemática, Química, Zoologia, entre outras. Cabe ressaltar ainda que, nesse contexto, entender as questões econômicas e culturais que definem a forma como os indivíduos e a sociedade relacionam-se com os animais é fundamental. Isso apenas reforça o papel das Ciências Humanas incluindo-se aí a educação. Resumindo, trata-se de fazer uma mescla entre ciência básica e aplicada!

 

Essa abordagem permite a detecção antecipada de doenças cuja descoberta e ascensão são recentes, conhecidas como emergentes (por exemplo, a covid19), ou de novos surtos de doenças já conhecidas que voltaram a aumentar o número de casos, chamadas de reemergentes (por exemplo, a febre amarela). Além disso, torna-se conseguir tempo para o desenvolvimento seguro de vacinas e medicamentos eficazes. Mas, isso envolve financiamento contínuo para manutenção de infraestrutura, equipes permanentes e formação de recursos humanos. No fim, esse investimento poderá resultar em menores custos humanos, com menos doentes e vidas perdidas, e econômicos do que o queria seria gasto para contornar uma pandemia já estabelecida e desenvolver um medicamento e/ou vacina emergencialmente.

 

A grande pergunta é: o Brasil é capaz de fazer isso?

 

Claro que sim! E já fez! Basta lembrar as campanhas empreendidas por Carlos Chagas, Oswaldo Cruz e outros grandes nomes nas décadas iniciais do século XX que contribuíram para que o Brasil atual tivesse centros de referência em Medicina Tropical como a Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Butantã, Instituto Vital Brazil, Fundação Ezequiel Dias, além de várias universidades e centros de pesquisa públicos e privados. Destacam-se também, na primeira metade do século XX, as ações do Serviço Nacional de Peste e Serviço Nacional de Febre Amarela que contribuíram para a coleta de material biológico que foi depositado em coleções de instituições como o Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro e Museu de Zoologia da USP. Até hoje, esses espécimes coletados têm sido essenciais para a formação de Recursos Humanos e para a redução de algumas lacunas de conhecimento da diversidade de organismos tropicais e suas interações, incluindo o parasitismo. Isso mesmo!  Museus não são depósitos de coisas velhas! Pelo contrário, podem ter papel fundamental na saúde pública e outras áreas do conhecimento humano (como pode ser visto em: https://academic.oup.com/bioscience/article/70/7/531/5857068).

 

Atualmente, os programas citados acima estão extintos, mas há ações como o Programa Ecológico de Longa Duração (PELD). O PELD também apresenta um caráter multidisciplinar e permite levantar a diversidade de diferentes locais ao longo de todo o Brasil, monitorando-a por longos períodos e analisando a influência das atividades humanas sobre a saúde ambiental e, por extensão, sobre a saúde humana.

 

Como forma de honrar o legado de pesquisadores como Carlos Chagas, Oswaldo Cruz e outros é fundamental que haja investimento contínuo e de longo prazo em infraestrutura por meio de programas como o PELD. Também é necessário garantir recursos para a formação de recursos humanos por meio, principalmente, dos cursos de pós-graduação que são responsáveis pela maior parte da pesquisa cientifica no Brasil.

 

Nesses programas, os estudantes têm acesso a diversas ferramentas de análise de dados. Mais do que se tornarem especialistas em um organismo A ou B (por exemplo, borboleta, rato, beija-flor), eles capacitam-se para aplicar o seu treinamento para estudar e resolver problemas complexos e abrangentes na área acadêmica ou no mercado de trabalho. Esses programas e suas atividades são essenciais para superar desafios como: 1) escassez de estudos e o limitado conhecimento sobre diversos aspectos da grande diversidade biológica presentes no Brasil, 2) a distribuição ainda desigual de doutores e cursos de pós-graduação ao longo do território do país.

 

Nesse sentido, os programas de pós-graduação abrigando jovens pesquisadores e os profissionais em treinamento sob sua orientação nas diferentes regiões do país devem ser fortalecidos. Esse fortalecimento passa necessariamente pelo aumento do número de bolsas disponíveis para mestrado e doutorado bem como no reajuste periódico dos seus valores. As bolsas de pós-graduação são o único salário de muitos jovens cientistas brasileiros e isso é necessário para que eles possam dedicar-se integralmente a descobrir os aspectos da vida silvestre, das viroses, das sociedades, entre outros. O trabalho deles contribui para o desenvolvimento do país e para a melhoria na qualidade de vida de todos nós.

Autor

Prof. Dr. Jânio Cordeiro Moreira 

Laboratório de Ecologia, Evolução e Sistemática de Vertebrados

Instituto Federal Goiano, Rio Verde, Goiás

E-mail: janio.moreira@ifgoiano.edu.br

 

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